sexta-feira, 24 de junho de 2016

Ver e Viver Inhotim

A Confraria
Antes da viagem, eu imaginava que já sabia muita coisa sobre Inhotim. Tinha ouvido relatos de amigos e parentes, lido postagens na Internet e me entusiasmado por tabela com os comentários:   - É uma beleza!     - Coisa de primeiro mundo! - Prepare-se para andar muito, mas vale a pena...

Aproveitando uma e outra informação, e certa de que seria uma ótima experiência, dediquei-me aos planejamentos práticos – como ir, onde ficar e por quantos dias. Mas, logo que cheguei ao instituto, percebi que não estava preparada para a visita. Perplexa, fiquei me perguntando: mas por que eu não tinha ideia de que era assim?!?

A resposta só pode ser a existência de uma secreta Confraria dos Amantes de Inhotim (CAI), formada por membros espalhados por todo o Brasil. É gente que, sorrateiramente, se esmera em camuflar os detalhes do passeio, iludindo os novos visitantes. Os truques da Confraria são por um bom motivo: preservar a inocência dos que chegam por lá, para que nenhum pré-conceito ou experiência anterior interfiram neste olhar inaugural. Comigo, a mágica funcionou... E, pelo que observei em volta, atingiu grande parte dos visitantes. Quase desprovidos de expectativas, circulamos (eu e eles), com nossos mapinhas nas mãos, construindo inéditos sentidos para os jardins, galerias e instalações.

Neste processo de descobrir Inhotim, conheci o Lucas, um dos monitores da Galeria Psicoativa. Ele me fez ver que a Arte Contemporânea se nutre da multiplicidade de interpretações, da livre e ativa experiência do observador. Não há padrões ou regras, mas, sim, possibilidades. De alguma maneira, o Lucas me libertou. Parei de racionalizar e abri espaço para sentir.  Em geral, os sentimentos foram de leveza, alegria e encantamento, mas não escapei do desagrado, do incômodo e até do asco. Felizmente, só não me deparei com a indiferença.

Arquitetura é arte
Um dos meus principais encantamentos em Inhotim foi com a unidade indissociável das obras com os espaços que as abrigam. Há um casamento feliz entre paisagismo e arquitetura, e entre arquitetura e arte contemporânea. Caminha-se por aleias ajardinadas, passa-se por riachos e lagos, e, de repente, avista-se uma grande construção. Formas, cores e proporções, perfeitamente combinadas, concebem um todo harmônico que só poderia estar ali mesmo onde foi colocado. 

A sensação de afinidade se completa com a visita ao interior da galeria, especialmente naquelas em que uma única obra habita o local. A minha preferida é, de longe, True Rouge, de Tunga, mas também me deixei seduzir pelas galerias de Lygia Pape e Valeska Soares. No ponto mais alto do parque, destaca-se a nave circular de Doug Aitken que capta os débeis sons dos confins da terra. Já o belíssimo prédio que abriga as obras de Adriana Varejão faz qualquer um esquecer que o instituto tem hora pra fechar... 

De caso com o vermelho
Da ampla paleta de cores que tinge Inhotim, o verde é o grande destaque. O jardim botânico foi idealizado e concebido para manter sua beleza por todo o ano, independentemente das florações sazonais. As espécies selecionadas têm folhagens exuberantes, com formas e tamanhos incomuns, e foram organizadas com cuidado para destacar degradês em verde que, acreditem, podem chegar até ao roxo! Isto não quer dizer que não existam flores na enorme área arborizada. Elas estão lá, cumprindo o seu destino: delicadas, coloridas e efêmeras.

O problema é que eu tenho um caso com o vermelho. O verde me inspira, mas o vermelho... Talvez isto explique o grande impacto que dois espaços no instituto me causaram. Em True Rouge, é possível ver o jogo da transparência do vidro com objetos e líquidos vermelhos, tudo cuidadosamente (des)equilibrado em redes pendentes. Há várias interpretações para obra de Tunga, como a relação das ciências com a arte, e o destaque aos fluidos vitais... Mas, quando fecho os olhos e relembro a galeria, só me ocorre a pregnância da cor naquele amplo ambiente. Se não fosse vermelha, a obra não teria tal harmonia!

Por outro lado, em Desvio para o Vermelho, instalação de Cildo Meirelles, a cor incomoda pelo excesso: em cômodos de uma casa, praticamente tudo é rubro. Somos questionados sobre as causas desta impregnação... Tinta? Sangue? Amor? Quando fecho os olhos pra recordar aquele ambiente, a experiência é de aflição. Se não fosse vermelha, a obra não teria tal impacto!

Tempo e movimento
O tempo é o maior inimigo dos visitantes. Pra conhecer com calma e envolvimento cada canto de Inhotim, é necessário bem mais que os 2 dias que estivemos por lá. Afinal são 23 galerias, 22 obras salpicadas ao ar livre, 30 destaques botânicos, tudo numa área de 140 hectares. Um recurso indispensável pra conciliar tempo disponível e distâncias são os carrinhos elétricos que circulam pelos locais mais afastados e altos, mas eles não excluem as andanças por muitas áreas restritas a pedestres.

Em quase todos os espaços, há monitores (jovens formados em cursos internos) com boas informações para compartilhar com a gente. Quem quiser, ainda pode participar das visitas guiadas que acontecem pela manhã e à tarde. Eu bem que pensei em entrar num destes grupos, mas nos horários marcados estava sempre bem longe do ponto de encontro, perdida em minhas próprias descobertas...

Terminado o tempo regulamentar do passeio, o principal consolo é saber que sempre poderemos retornar ao belo parque sonhado e construído por Bernardo Paz. Aqueles que ainda não conhecem, mas pretendem visitar o instituto, não têm que se preocupar com as minhas confidências. Os associados da Confraria já devem estar em ação e, ao final da leitura, os possíveis viajantes saberão exatamente o que é fundamental para ver e viver Inhotim: - É uma beleza! - Coisa de primeiro mundo! Prepare-se para andar muito, mas vale a pena...
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Em tempo: pra planejar os meus passeios, costumo consultar um site cheio de informações úteis e escrito com muito bom humor – Viaje na Viagem. Mas é importante dizer que o Ricardo Freire (autor dos textos) é colaborador sênior da CAI!

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Para saber mais sobre a viagem, leia também: Já de saída a viagem entortou

Um comentário:

Célia disse...

Sempre pensei que visitar Inhotim seria uma boa. Depois de ler o seu texto passo a pensar que é indispensável.
Viajei com vocês, andei pelas aléias de carrinho e a pé, vibrei com os vermelhos, os verdes,tudo enfim.
Seu texto está cada dia melhor, forte, instigante, adorei.
Breve irei conferir "in loco", se Deus quiser.