terça-feira, 28 de março de 2017

Assis Horta Retratos

Quando li O Instante Certo, de Dorrit Harazim, gostei em especial do capítulo dedicado a Assis Horta, fotógrafo mineiro com uma trajetória marcante na tarefa de dar visibilidade à classe trabalhadora brasileira. Ele teve a vida transformada por um novo campo de atuação aberto com o lançamento CLT: em toda Carteira de Trabalho deveria constar uma foto 3x4 identificando o portador. Por sua vez, ele resgatou e dignificou, com as fotografias identificatórias e os registros de família, as faces, e os corpos, de homens e mulheres pobres de Diamantina. A leitura me fez pensar nos retratos de meus avós e no meu próprio na Carteira de Trabalho, uma reflexão misturando história pessoal com história do país. Por tudo isto, quando soube da exposição Assis Horta Retratos, em cartaz no Espaço Cultural BNDES, corri para conhecer melhor este senhor de 99 anos e sua coleção de imagens.

Na exposição, fotos impressas em grande formato se espalham pelo salão. São retratos em tamanho real de homens, mulheres e crianças fotografados nas décadas de 40 e 50. Parecem pinturas pelos contrastes de luz e sombra, pelos olhares expressivos. O estúdio do fotógrafo, como se vê nas imagens, é bem simples em seus recursos: um invariável painel pintado serve de fundo, um tapete persa gasto, uma cadeira de palhinha e uma esguia mesinha lateral se revezam em possíveis composições com os personagens da vez.

Simples também são os retratados, que se apresentam sozinhos ou em grupos. Mulheres trajando vestidos discretos, cintados, sempre cobrindo os joelhos; grampos ou presilhas domando os cachos dos cabelos. Homens de terno e gravata, lenço no bolso, cabeleira gomalinada. O chapéu aparece como elemento indicador de respeitabilidade, além de compor elegantemente as fotografias. Os sapatos surrados chamaram-me a atenção. Dorrit conta que Assis Horta guardava no estúdio roupas masculinas para emprestar, já que os senhores chegavam para a sessão de fotos sem o apuro necessário, daí deduzo que os sapatos fossem dos próprios, com as marcas do tempo e do barro das ruas.
Nas paredes laterais, estão expostas inúmeras fotos tiradas para as carteiras de trabalho. Um apanhado de pessoas sérias, corpos eretos e plaquinhas com a data em que os takes foram feitos. Passear diante delas é tentar decifrar vivências e sentimentos escondidos. 
Objetos de trabalho e uma recriação do estúdio de Diamantina completam a exposição. Dá até pra brincar, ensaiando umas poses diante do painel e usando o celular em vez da Rolleiflex. O difícil mesmo é conseguir algum bom resultado com um click único, marca do estilo de Assis Horta, que nunca repetia o registro de uma cena. Fiquei imaginando o que deve pensar o velho fotógrafo sobre o nosso contemporâneo apego  pelo disparador...

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Assis Horta Retratos – de 15 de março a 5 de maio de 2017
Espaço Cultural BNDES – Rio de Janeiro
O guia impresso da exposição ajuda na compreensão dos detalhes, mas a leitura do capítulo de O Instante Certo amplia consideravelmente a experiência visual. Eu recomendo a dobradinha.
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Para ler a postagem sobre minha admiração pela jornalista Dorrit Harazim, clique aqui.

Um comentário:

Nanu disse...

Que texto! Parece-me refinada arte a ausência de "que". É como se você dispensasse atalhos fáceis propiciados pelo pronome relativo - tenho grande dificuldade nisso. Nem parece ter sido uma questão pra você, simplesmente não precisou usar.

Clareza, ritmo e leveza. Um texto bom de ser lido.